A construção de um país
É significativa a forma que nossa geração vê, hoje, o resultado. Ontem, na Escola de Conservadorismo, um aluno perguntou sobre os resultados alcançados com a obra de Fiódor Dostoiésvki na Rússia, o que respondi na ocasião quero desenvolver aqui, em texto.
Quantas pontes o povo francês precisou construir para formar uma sociedade insubmissa ao poder político? Quantos quilômetros de ferrovia os europeus recém-chegados na América precisaram assentar para formar uma sociedade baseada no conceito de propriedade privada? Quantos hospitais os povos germânicos precisaram levantar para forjar um povo resiliente como o povo alemão? Obviamente, a resposta é nenhum. E por quê? Porquê o material não gera o imaterial.Inclusive isto aqui, a compreensão do problema, não pode ser alcançada por obras mas por entendimento.Se perguntarmos para o povo brasileiro quem construiu o Brasil, se lembrarão de JK, Vargas, Silvio Santos… sem exagero podemos imaginar até alguns citando Neymar Jr. Afinal, no Brasil, dinheiro é argumento. E realização é sinônimo de construção. Construir prédio, construir patrimônio, construir cidades, enfim.
O que não se sabe no Brasil é aquilo que João Camilo já sabia, e por saber escreveu a obra “Construtores do Império”, onde cita o Visconde de Uruguai, Joaquim Nabuco, Augusto Comte, Benjamin Constant… pois sabia que, para construir (e destruir) não é necessário cinzel ou malho, mas caneta. Aqueles que pensaram o Brasil, construíram o País. Quem mais influenciou o Brasil que Augusto Comte, o filósofo francês que sistematizou e popularizou a ideia de ser o homem o centro do universo, origem e motivo de toda ação humana? O maior dos positivistas alterou, a partir do outro lado do Atlântico, todo o pensamento acadêmico brasileiro e formou não uma escola, mas reconstruiu toda a escola de pensamento latino-americana. Hoje, aquele que segura o martelo, o faz conforme a metodologia definida por Comte.
Nossas lideranças precisam descobrir o poder do intelecto. Atenção, não cometo o erro de dizer que o povo precisa descobrir… está bem claro, a liderança precisa descobrir. O povo empunha a ferramenta material, que é movida pela ação imaterial. Ação. Imaterial.Todos os agentes conservadores no Brasil estão agindo no campo material, entendem que é necessária a emergência da solução, a síncrise social para utilizar a “Filosofia da Crise” de Mário Ferreira dos Santos[1]. Temos aqui um problema “de origem”, ou “estrutural” — para citar um termo positivista bastante utilizado no Brasil –, uma vez que a mente de nosso povo não entende o problema como sendo a origem mas a consequência. Nesta confusão está a impossibilidade da síncrese, uma vez que não se compreendeu ainda a própria crise. A corrupção, para citar o nosso problema mais conhecido, não é compreendida como a ignorância quanto ao significado de “dinheiro público” e “moral”, mas sim como o ato de superfaturar itens em licitações públicas ou esconder dinheiro na cueca. Note bem pois aqui está o porquê de muitas ações inúteis em nossa história, como a mania toda nossa de criar leis, o que corresponde justamente ao nosso processo sincrético da crise do ato. Rouba-se, proibisse o roubo. Chegamos assim a criar uma lei que obriga o homem a catar o cocô do cachorro, sob pena de multa.
Você que me lê, sua cidade precisa de uma escola ou precisa da reconstrução da escola existente? Ocasionalmente posso ouvir a resposta “precisa dos dois”. Compreensível, é nossa realidade comum. A escola que já está de pé em sua cidade, foi construída sobre as bases positivistas, iluministas e egoístas? Caso sim, é possível que o fruto de sua existência seja alunos cristãos, bons cidadãos, mães de uma família realizada? E a que precisa ser construída (considerando sua resposta “precisa dos dois”), será construída para frutificar em alunos dependentes ou cooperativos[2]?
O pensamento corrente em nosso meio sequer está preocupado com a solução dessa questão – mesmo com a questão em si –, antes quer saber o nome do deputado em que é preciso votar para que a emenda parlamentar seja destinada à construção da escola. Eu digo, nesse caso, duas escolas é pior que uma.Precisamos urgentemente encontrar dentro de nós mesmos uma compreensão perdida, abandonada, como citado pelo padre Sertillanges[3], de que nossos problemas não são as consequências materiais que se apresentam diante de nós, cotidianamente; de que nosso problema real é que o Brasil é uma fábrica de produtos que funcionam mal pois foram criados por gente má, para fazer o mal.
“[…]se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada.”
[1] Mario Ferreira dos Santos, autor da obra Filosofia da Crise, evidenciava ser toda a existência um apontar da crise como também um apontar ao que a supera, sendo a crisis composta da diácrisis (separação) e syncrisis (reunião). O processo de solução da crise, ou seja, de redução e extinção da diácrise, é o processo sincrético.
[2] No livro A Mente Esquerdista, o autor Dr. Lyle H. Rossiter fala sobre o desenvolvimento da personalidade dependente, quando a criança se vê sempre como dependente do outro, e assim se transforma em um adulto dependente do Estado; e a personalidade cooperativa, da criança que aprende não apenas a cuidar de si como a ajudar o outro, se tornando um adulto independente e construtor de sua pátria.
[3] Em A Vida Intelectual, A. D. Sertillanges evidencia que a comunicação leva ao ouvindo não necessariamente uma verdade desconhecida, antes leva os meios para o ajuntamento de pontos dispersos que impedem o ouvinte de chegar, em si mesmo, à compreensão daquilo que seus antepassados já sabiam, mas foi perdido com o passar do tempo.