Da separação entre os grupos
Para seguir a linha que me propus no trabalho que tenho desenvolvido na internet, tanto aqui como no YouTube, tenho compartilhado todo o conteúdo que absorvo em leituras das mais diversas com aqueles que me acompanham, e me propus também ao desafio de aplicar tudo o que leio – de Hilda Hilst a Schelling – à política brasileira. Meu intuito é conseguir auxiliar todos quanto possível na árdua tarefa de entender o Brasil.
Assim, trago aqui a aplicação da filosofia de Mário Ferreira dos Santos, filósofo brasileiro nascido em Tietê (SP) e criado em Pelotas (RS). Autor de grandeza intelectual inacreditável para mim, que só vim a conhecer após tantas insistências de Olavo de Carvalho feitas através de citações distribuídas ao longo de seus livros.
MFS inicia sua Filosofia da Crise expondo o seguinte esquema:
crisis:
diácrisis – a separação
syncrisis – a reunião
O autor organiza toda sua Filosofia da Crise na compreensão de que o Perfeito é uno, e a partir daí tudo é crise. Sendo a crise o intervalo de separação, tudo o que ocorre, ocorre na separação. O distanciar do Original, ou seja, o movimento de separação do Uno é a diácrise, tendo seu oposto no movimento de reunião, a síncrise. Assim, estando nós permanentemente e universalmente em crise, vivemos tensionados na diácrise enquanto lutamos (alguns de nós) em movimento de síncrise.
Aplicando à realidade político que temos hoje, podemos encontrar na Filosofia da Crise de MFS a resposta para o clamor da direita brasileira: “precisamos unir a direita”.
Unir a direita nada mais é que a compreensão de que a direita, esse grupo de cidadãos-eleitores que passaram a se ver como semelhantes após o advento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, esteve e está em movimento de diácrise e que, ao diagnóstico de alguns, precisa se encontrar na crise intelectual em que está e, então, passar ao movimento de síncrise rumo ao uno, a saber, a Direita.
Sugiro um esquema visual que pode nos auxiliar na compreensão desse tensionar. Imagine você um círculo representando nossa sociedade, repleto de várias bolas representando as pessoas dessa sociedade. Nosso universo neste esquema é um círculo com elementos espalhados, que ao longo da crise não se mantiveram unidos uma vez que os intelectos não estavam reunidos em torno de nada que os aglutinasse (1a), assim naturalmente os mesmos se posicionaram em locais diferentes da sociedade. Essa situação foi alterada e, situando nosso exemplo em nossa realidade política atual, podemos dizer que após a eleição presidencial de 2018, esses elementos que estavam separados conseguiram se reunir em torno de ideias que foram apresentadas e se mostraram agradáveis aos diferentes grupos. Temos então um novo universo, ainda em crise mas com uma diácrise perceptivelmente mais amena (2a) em comparação com o cenário inicial.
Não apeteceu a Deus porém criar um mundo previsível e conformado à lógica da criatura, antes sendo o homem criado à imagem e semelhança do Criador, vivemos em um mundo repleto de incognoscibilidade, como a constatação de que após a reunião da figura 2a, os elementos da sociedade passaram a estar ainda mais distantes uns dos outros do que antes da síncrise (!).
Tal resultado não esperado se dá devido à realidade inegável ao ser, de que quanto mais conhecemos mais há ainda por conhecer. Se nosso conhecimento é uma ilha na vastidão do oceano do desconhecido, quanto maior nossa ilha, maior é a fronteira desta ilha com o oceano do desconhecido. Uma ilha menor tem menos fronteira com o oceano, uma ilha maior, uma fronteira maior.
Vejo ser este o momento em que nos encontramos e daqui do meu pequeno grupo ouço elementos dizendo “precisamos unir a Direita”. Dentro do nosso próprio grupo é possível ouvir o clamor por síncrise dirigidos a outros grupos. Podemos ouvi-los até mesmo dirigindo-se a membros de um mesmo pequeno grupo.
O que fazer? Identificando a crise em que estamos, como tensionar a nosso favor, ou melhor, a favor da síncrise?
Não há outra forma senão iniciar o trabalho de identificação da diácrise. Ou seja, descobrir o que nos separa. O que separa os pequenos grupos que estão hoje formados pelos elementos que até outubro de 2018 estavam desorganizados. Descoberta a origem da separação é possível diagnosticar a crise e prescrever o medicamento, o pharmakon de Platão.
Todo movimento de reunião é liderado. Os elementos nunca se ajuntam ao redor do nada. Há o agente motivador… uma ideia, uma pessoa, um episódio. A eleição presidencial nos trouxe esse elemento aglutinador na pessoa de Jair Bolsonaro, um candidato que antes de se apresentar aos elementos da sociedade, apresentou suas propostas. E a partir de – e baseado nas – propostas os elementos foram se reunindo. De per se? Certamente que não. Catalisados por, está claro.
Identificamos já o elemento unificador. Passemos agora à identificação do(s) elemento(s) separadores dos novos grupos formados.
Se nomearmos os pequenos grupos a partir da temática que é o foco deste texto, podemos sem receio algum classificá-los com base em preferências políticas. Rotulemos então os grupos de a) direita; b) esquerda; c) centro; e d) liberais.
Esse exercício mental nos leva a entender que temos hoje classificadas duas diferentes diácrises. Uma entre os grupos, que seria a separação entre os diferentes grupos da sociedade politizada brasileira. Outra interna dos próprios grupos, a separação entre os elementos já aproximados em 2018; no caso da Direita, a separação entre os eleitores de Jair Bolsonaro.
O que nos separa? O que separa os grupos e o que separa os elementos de cada grupo?
Especificar a separação entre os grupos é mais fácil, são eles menos numerosos e a distância é maior, o que nos propicia mais fácil compreensão sendo a mente humana agraciada pela compreensão de abstrações estando essas nos extremos.
Há possibilidade de união entre os grupos? União perene ou perpétua? União geral ou específica (em tempo e espaço)?
O pensamento político estratégico mostra que a união de grupos é válida, e a história é rica em exemplos de sucesso como a união entre liberais e conservadores que se formou no time vencedor nas urnas: Jair Bolsonaro, o Conservador, e Paulo Guedes, o Liberal.
Essa separação entre grupos precisa ser pensada estrategicamente, ação que exige maturidade de todos os envolvidos , ativos e passivos, eleitos e eleitores. Não precisa ser perpétua, amalgamadora; pode ser perene, por projeto. Os liberais podem se unir aos Conservadores para tirar o Brasil da crise econômica e da crise moral, por exemplo. Creio ser essa a aliança, e esse o foco do time governante hoje no Brasil.
Os mesmos princípios de diagnóstico e prognóstico podem ser aplicados na separação interna nos grupos. O que os separa? Como podem – e por quanto tempo, e por quê – se reunir?
Essa diácrise segunda de nosso exercício imaginativo não me parece ser a de maior importância, mas é sem dúvida a mais reclamada nos últimos meses. O eleitor do candidato aglutinador anseia pela reunião interna de seu grupo, pela redução da diácrise. Anseia por uma crise menos tensiva.
Para entender nossa crise (o autor também está nesse grupo) eu vejo que se comparado aos demais grupos (b, c e d) nossa distância é pequena. Realidade esperada sendo nós elementos que se reuniram após 2018. Sendo assim temos maior dificuldade de identificação das motivações das tensões, sendo elas em maior quantidade; porém maior facilidade para solucionar essas distensões, sendo elas de menor intensidade.
Seguindo o caminho percorrido aqui, entendo que o pensamento político estratégico é preciso ser abordado para compreendermos que estamos todos nós (do grupo a) aglutinados em torno de um mesmo elemento: plano de governo do Brasil, proposto por Jair Bolsonaro. Dentro desta identificação, nossas separações devem ser consideradas para quais situações e desconsideradas para quais outras?
Aqui é onde o artigo pretendia parar desde o início. Sendo um artigo de pretensões filosóficas não poderia eu, mero autor, remediar. Cabe a formulação do pharmakon a cada um de nós (separados ou em conjuntos). A constatação que não pode ser ignorada após essa leitura é a de que, inspirados em Mário Ferreira dos Santos, temos de ter a consciência de que a vida é um estar em crise. E que a graça dada aos homens é poder se movimentar em retorno ao Uno, força exclusiva à coroa da criação de Deus.